A proposta de reformulação do Código
Civil sequer começou a ser votada pelos senadores, mas já tem sido motivo de
polêmica. O Projeto de Lei 4/2025 prevê alterações significativas na lei que
rege as relações privadas dos brasileiros, com alteração de mais de 800
dispositivos e inclusão de outros. Além das medidas que podem alterar a vida conjugal, outro fator
chama atenção: o caso de heranças.
A lei brasileira determina uma ordem de
sucessão hereditária, como explica a advogada Larissa Muhana, especialista em
Direito de Família. "O artigo 1.829 do Código Civil prioriza
os herdeiros necessários, que são os descendentes [filhos], ascendentes
[pais] e o cônjuge. Metade do patrimônio deve ser destinado a estes herdeiros.
A outra metade pode ser distribuída conforme a vontade do falecido",
detalha a advogada. As vontades do falecido são evidenciadas em testamentos
feitos durante a vida.
Na prática, funciona assim: 50% dos bens
da pessoa que morreu devem ser distribuídos entre filhos, pais e cônjuge
- a pessoa com quem se estava em uma relação de matrimônio. Porém, a
proposta de reforma pode tirar os companheiros dos herdeiros necessários,
deixando apenas os filhos e os pais. É o que prevê o artigo 1.845 do projeto,
que diz: "São herdeiros necessários os descendentes e os ascendentes". Um
frase curta é capaz de provocar grandes mudanças nas relações pessoais.
Se o falecido deixar pais e filhos, por
exemplo, e não tiver feito qualquer menção à herança em testamento, o cônjuge
não terá direito sucessório obrigatoriamente. Para a advogada Larissa Muhana, a
medida representaria um retrocesso. "Dificilmente uma pessoa comum, ao
casar, vai pensar na inclusão do cônjuge como herdeiro através de um
testamento" afirma.
Para ela, a mudança pode causar
injustiças. "A tendência é que as pessoas não se preocupem com essa
regulamentação em vida e isso implique em injustiças com os viúvos e viúvas
após a morte do cônjuge", defende. Eles deverão ser explicitamente indicados
no testamento para receber, junto com filhos e netos, o patrimônio deixado pelo
falecido, se a nova proposta for aprovada.
O projeto
O projeto de reformulação do Código
Civil teve origem em um anteprojeto elaborado por uma comissão do Senado
composta por 37 juristas, seis membros consultores e presidida pelo ministro
Luís Felipe Salomão, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O
PL foi apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) em janeiro deste ano,
em Brasília. Porém, a falta de debate público sobre as determinações deve
dificultar a tramitação da proposta, segundo especialistas.
Advogados avaliam que deixar um
testamento é a melhor forma de evitar transtornos no futuro.
"O testamento, muitas vezes, evita conflitos familiares e garante uma
sucessão mais harmoniosa para os herdeiros. É uma das formas mais simples
e usuais de planejamento sucessório e indicada para aqueles que vão deixar
herança", diz Larissa Muhana.
Se de um lado, o projeto prevê a retirada
de viúvos e viúvas do roll de herdeiros necessários, a proposta amplia os
deveres dos ex-cônjuges em caso de divórcio. Os ex-companheiros devem ser
responsabilizados pelo compartilhamento de despesas "destinadas à
manutenção dos filhos e dos dependentes", assim como de animais de estimação.
Os animais, inclusive, ganham destaque na proposta, sendo categorizados como
seres capazes de ter sensações e emoções - o que é uma novidade.
Hoje, o Código Civil define que as
obrigações dos ex-cônjuges são voltadas à pensão alimentícia e à
responsabilidade pelos filhos. A nova proposta, no entanto, abre brecha para
que outros familiares sejam considerados dependentes, assim como os animais de
estimação do casal.
"O projeto estabelece o
compartilhamento das despesas com os filhos e também com outros dependentes,
sem limitar a filhos menores [de idade], o que pode incluir pessoas sob guarda,
curatela ou mesmo dependência econômica reconhecida", analisa a advogada
Lara Soares, especialista em Direito da Família. Sem especificação, sogras,
sobrinhos e primos, desde que dependam do casal, podem ter despesas incluídas
como "dependentes".
Outro dispositivo inovador pretende
acaba com a separação obrigatória de bens no casamento de pessoas maiores de 70
anos, em acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o
Assunto. Em 2024, a Corte definiu que impor o regime obrigatório de separação
desrespeita o direito de autodeterminação das pessoas idosas.