Não é de hoje que alertamos: a violência
deixou de ser um fenômeno restrito aos grandes centros urbanos na Bahia. O que
se vê agora é a consolidação de um processo estarrecedor - a interiorização das
facções criminosas. Cidades pequenas, antes sinônimo de paz, tornaram-se palco
de disputas armadas que nada lembram o cotidiano pacato de outrora. Muritiba,
com pouco mais de 30 mil habitantes, é apenas o caso mais recente e mais
simbólico dessa degradação.
A madrugada e a manhã da última
terça-feira deixaram evidente a nova realidade do Recôncavo baiano. Tiros,
invasões de territórios, confronto entre grupos rivais e operações de
emergência da polícia interromperam a rotina da região. Moradores foram orientados
pela prefeitura de Muritiba a permanecer em casa. Serviços públicos, inclusive
unidades de saúde, foram suspensos. Uma cidade inteira sitiada pelo terror.
O avanço do Comando Vermelho sobre áreas
dominadas pelo Bonde do Maluco revela que o interior do estado não é mais
refúgio para ninguém. A declaração de um morador de São Félix, que foi
publicada por este jornal, sintetiza bem o momento: “Apesar do que está sendo
noticiado, a situação é pior”.
A escalada não é mero acaso. Falta
estratégia ao governo estadual, coordenação, presença qualificada. Em suma: tem
faltado competência para combater a criminalidade. Diante da ausência de
respostas do estado - que constitucionalmente é o responsável pelo
enfrentamento ao crime - os municípios começaram a reagir como podem. A
multiplicação das guardas municipais pelo interior é exemplo disso.
Hoje, 199 das 417 cidades baianas contam
com suas próprias corporações. A guarda, criada para proteger o patrimônio
urbano, tem sido gradualmente empurrada para uma função que não lhe cabe:
substituir o poder público estadual no combate ao crime organizado.
O fenômeno preocupa. Não apenas porque
expõe agentes municipais a uma lógica de guerra para a qual não foram
concebidos, mas porque evidencia o desequilíbrio federativo: prefeitos tentando
montar uma polícia municipal para suprir a omissão da polícia estadual. É
urgente que o governo do estado abandone a retórica vazia, reconheça os erros
de sua política de segurança e convoque um plano real, robusto e sustentável de
enfrentamento ao crime organizado.
O Recôncavo baiano, que já foi símbolo de acolhimento, história e cultura, tornou-se território de disputa criminosa. O interior, que por décadas foi refúgio, não é mais. E isso não pode ser tratado como normal. A Bahia, que já assiste ao avanço do crime nas grandes cidades, não pode admitir que essa derrota se estenda também aos pequenos municípios.



