A confirmação da Secretaria da Segurança
Pública de São Paulo (SSP-SP) de que o Primeiro Comando da
Capital (PCC) matou nesta semana o ex-delegado-geral da Polícia
Civil do estado voltou a mobilizar autoridades sobre a necessidade de agir para
combater a principal organização criminosa do país.
O PCC, que surgiu há mais de 30 anos em uma prisão e há
duas décadas era uma facção com 5 mil criminosos, exclusivamente no estado de
São Paulo, se espalhou pelo Brasil e pelo mundo. Atualmente conta com cerca de
40 mil membros e já é considerada uma máfia, segundo o promotor Lincoln Gakiya,
que investiga há décadas a ação do grupo criminoso no estado de São Paulo.
“O que nos preocupa é que a organização está tomando tamanho de
máfia, se infiltrando no estado, participando de licitações de estado. Isso
é característico de máfias, como a gente já viu na Itália. (…) E essa operação
está atuando na asfixia financeira desse grupo”, afirmou o promotor ao g1 em
2024.
O ex-delegado Ruy Ferraz Fontes foi
morto a tiros na segunda-feira (15) em Praia Grande, litoral paulista, 20 anos
após prender Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. O líder
do PCC foi detido em 1999 por formação de quadrilha.
O ex-policial tinha 64 anos, estava
aposentado, andava armado, mas não possuía escolta, e trabalhava como Secretário da
Administração na cidade da Baixada Santista - um dos redutos do Primeiro
Comando da Capital no estado. Por conta da atuação no enfrentamento ao PCC,
Ruy, outros policiais, promotores e juízes passaram a ser ameaçados de morte
pelos integrantes da organização criminosa.
Em 2006, quando orquestrou uma série de
ataques contra as forças de segurança de São Paulo, o PCC era uma facção com
5.012 criminosos identificados no estado.
O ex-delegado Ruy, aliás, foi um dos
pioneiros a montar o organograma de como funcionava e quais eram os membros do
Primeiro Comando da Capital. O PCC surgiu em 1993 na Casa de Custódia de
Taubaté, no interior paulista, como uma proposta contra o que chamava de
"opressão carcerária".
As informações com nomes e fotos dos
criminosos do Primeiro Comando da Capital, onde traficavam drogas, etc.,
passaram a ser compartilhadas entre polícias, Ministério Público (MP) e
Justiça.
Esse "mapa do PCC", que pode
parecer simples atualmente, começou a atrapalhar o funcionamento e os negócios
criminosos da facção. O que irritou a cúpula do Primeiro Comando da Capital,
principalmente depois que seus chefes foram um a um presos em operações da
polícia e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco)
do MP.
Ministério Público
O g1 conversou com três promotores do
Gaeco a respeito da preocupação deles com o avanço do PCC, que atualmente tem
tentáculos nos próprios órgãos de fiscalização do Estado e em grandes centros comerciais.
Segundo os representantes do Ministério
Público, os mesmos órgãos do governo do estado de São Paulo e os federais foram
responsáveis pela ascensão do Primeiro Comando da Capital.
Veja abaixo as declarações que eles
deram sobre o assunto:
"O que eu posso dizer é que esse
crescimento, evidentemente, não foi da noite para o dia. Ele tem pelo menos
duas décadas. O que a gente pode perceber é que houve falhas, sim, do Estado
como um todo no controle dessa organização criminosa", afirmou Gakiya.
"Tanto na questão do conhecimento,
das investigações qualificadas e da persecução penal [conjunto de atividades do
Estado para investigar, processar e punir a prática de infrações penais]. E das
medidas que poderiam ter sido adotadas para evitar esse crescimento de maneira
muito elevada", complementou.
De acordo com os promotores, a ausência
do Estado leva ao surgimento e à manutenção das organizações criminosas. E isso
teve início no sistema prisional em que o PCC se organizou e fortaleceu.
"Primeiro, falta de controle do
sistema penitenciário estadual nos anos 90, somada à negativa geral do
problema", apontou um segundo representante do MP, que falou na condição
de não ser identificado. "Criaram lemas, estruturas iniciais e normativa
própria. Fator relevante nessa etapa foi a negativa de setores de segurança
pública em admitir a existência do grupo."
Segundo ele, somente após os ataques do
PCC em 2006 é que as forças de segurança e controle reconheceram a existência
do grupo criminoso e, com o passar dos anos, atuou mais no enfrentamento dele
por meio de operações, como as realizadas pelo Gaeco.
"PCC passou a ser preocupação
federal apenas em 2019, com Sérgio Moro", aponta o promotor sobre o
episódio em que o então senador pelo União Brasil do Paraná foi ameaçado de
morte pelo Primeiro Comando da Capital em 2023.
Os criminosos planejavam atacá-lo em
resposta a ações de Moro contra o crime organizado quando foi ministro da
Justiça e determinou a transferência de líderes do PCC para presídios federais.
Na opinião de um terceiro promotor
ouvido pelo g1 e que também não será identificado, o Estado falha quando
permite "o simples funcionamento de uma biqueira [de drogas]".
Segundo ele, isso explica como o
Primeiro Comando da Capital se mantém nas periferias e depois conseguiu
expandir o tráfico de drogas para outros países. "O PCC é um polo atrativo
natural para qualquer traficante de drogas e isso acaba se estendendo para
qualquer outro criminoso que queira realizar uma ação mais estruturada, como
assaltos a carros fortes."
Dados do Gaeco indicam que a expansão e
manutenção do PCC se deve também ao montante em dinheiro que o grupo criminoso
consegue anualmente.
Para efeito comparativo, em 2010, a
então facção arrecadava R$ 12 milhões por ano com o tráfico nos estados.
Atualmente, esse valor supera US$ 1 bilhão (mais de R$ 5 bilhões) com o tráfico
internacional que teve início em 2016, com a venda de cocaína para a Europa
pela máfia do PCC.
O Primeiro Comando da Capital tem ao
menos 2.078 integrantes espalhados por 28 países pelo mundo, além do Brasil. Mais
da metade, 1.092, estão em presídios no exterior.
O Paraguai é o país que concentra o
maior número de integrantes: 699, sendo 341 presos e 358 soltos. Já há
integrantes da facção dentro de presídios europeus, na Espanha, na França, na
Holanda e na Irlanda.
LEIA TAMBÉM: Delegado executado em SP: saiba quem foi Ruy Ferraz Fontes, referência no combate ao PCC
O que diz o governo de SP
Procurada para comentar o assunto, a
Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo respondeu que, desde janeiro
de 2023, intensificou o combate ao crime organizado com grandes investimentos
em tecnologia e inteligência, resultando em apreensão de drogas, prisões de
líderes e recuperação de bens ilícitos, reforçando a integração entre forças de
segurança e operações de grande impacto (veja abaixo a íntegra da nota).
"O combate ao crime organizado vem
sendo intensificado desde o início da atual gestão, em janeiro de 2023. Nesse
período, mais de R$ 1,1 bilhão foram investidos em tecnologia, equipamentos e
inteligência policial para reforçar o trabalho das forças de segurança, que
atuam de forma integrada para asfixiar financeiramente esses grupos e
desarticular seu ecossistema.
Mais de R$ 62 milhões em recursos e bens
do crime organizado foram recuperados e revertidos ao Fundo Estadual de
Segurança Pública e ao Ministério Público. Com apoio do Laboratório de Lavagem
de Dinheiro, outros R$ 21 bilhões em movimentações ilícitas já foram
identificados para futura recuperação.
As operações também se intensificaram em
todo o estado, resultando na apreensão de cerca de 610 toneladas de drogas e em
um prejuízo estimado de R$ 2,7 bilhões ao crime organizado. Mais de 300 mil
prisões foram efetuadas, incluindo a de lideranças como Léo do Moinho, Karen de
Moura Tanaka Mori, a “Japa”, e Caio Vinicius, o “Nego Boy”, que é acusado de
chefiar o tráfico em uma comunidade de Santos. Operações como Salus et Dignitas
e Sharpe desarticularam esquemas de lavagem de dinheiro, enquanto a Carbono Oculto
atacou a adulteração de combustíveis.
A SSP-SP também ampliou ações
interestaduais. Desde 2023, foram realizadas 164 operações em conjunto com o
Ministério Público e ações com a Polícia Federal pela Força-Tarefa de Combate
ao Crime Organizado (FICCO). Nas divisas, operações como SULMaSSP e COSUD
somaram quase 12 mil prisões, além da apreensão de 55,5 toneladas de drogas e
697 armas.
A SSP-SP reafirma que todas as medidas
necessárias estão sendo adotadas para conter e reduzir o poder das organizações
criminosas, reforçando o policiamento, ampliando a integração entre forças de
segurança e promovendo operações de grande impacto, sem qualquer tolerância ao
crime organizado."
Também por meio de um comunicado, a
Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informou que atua
constantemente para ter controle sobre a atuação do PCC (veja a nota abaixo).
"A Secretaria da Administração
Penitenciária esclarece que combate diuturnamente o crime organizado, em
colaboração estreita com as demais forças de Segurança Pública, além do
Ministério Público. A pasta também tem diversas parcerias com o Governo Federal,
incluindo troca de informações, conhecimento e tecnologia na luta contra as
facções criminosas."
O que diz o governo federal
A Polícia Federal (PF), responsável por fiscalizar as fronteiras do Brasil para impedir a entrada e saída de criminosos do PCC, mais o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), que coordena o sistema penitenciário federal, foram procurados pelo g1 para comentarem o assunto, mas não se posicionaram até a última atualização desta reportagem.
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