“Aqui só se fala a verdade, somente a
verdade. Doa a quem doer”. Esse era o bordão utilizado pelo repórter policial Mário Eugênio Rafael de Oliveira, 31 anos,
assassinado por policiais no estacionamento da Rádio Planalto, na Asa Sul,
na noite do dia 11 de novembro de 1984. À época, o Brasil vivia os horrores
da ditadura militar.
O mineiro de Comercinho denunciou um
grupo de extermínio composto por policiais civis e militares do Exército, que
teriam matado um dono de uma chácara em Luziânia, Entorno do DF. A denúncia
acabou custando a vida do apresentador do programa “O gogó das sete” e editor
da página policial do Correio Braziliense.
Mário foi executado no estacionamento da
Rádio Planalto, no Setor de Rádio e TV Sul, com uma facada na nuca e tiros
disparados por uma espingarda calibre 12 e um revólver “magnum”, calibre 381. O
crânio do jornalista ficou desfigurado.
O inquérito policial do crime apontou
sete suspeitos de envolvimento no assassinato. Todos foram denunciados
pelo Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e pronunciados ao Tribunal do
Júri, mas a maioria cumpriu a pena mínima e respondeu em liberdade.
Entre os mandantes que chegaram a ser
condenados, mas tiveram seus processos arquivados após inúmeros habeas corpus
impetrados, estavam o então secretário de Segurança Pública do DF, o coronel do
Exército Lauro Melchiades Rieth, e o chefe titular da Delegacia Especializada
da Polícia Civil do DF (PCDF), delegado Ary Sardella.
O coronel Rieth era bastante criticado
por Mário Eugênio e acusado de ter participado de outros crimes, chegando a
apreender uma arma e um carro do jornalista, antes de silenciá-lo fatalmente.
Foi revelado, anos depois, que antes de mandar matar o jornalista, o
ex-secretário teria sido questionado sobre o “esquadrão da morte” e confirmou a
informação para Mário: “Tem participação de militares do Exército, publica se
tiver coragem”, teria dito o coronel.
No Portal da Transparência da União
consta que a filha de Rieth recebe uma pensão militar mensal de R$ 35 mil desde
outubro de 2018, deduzindo-se então que o ex-secretário tenha falecido há sete
anos.
O ex-coronel do Exército não foi o único
participante do crime que gozou de altos salários pagos pelos cofres públicos.
Ary Sardella, hoje com 88 anos, recebe uma remuneração cheia de mais de R$ 30
mil.
“O mestre do tiro”
Diferente de outros ex-presidiários, que
sofrem com a ressocialização mesmo após cumprir pena, a condenação e o
histórico do ex-delegado de polícia não fez com que ele enfrentasse grandes
problemas após solto.
Apaixonado por armas, o capixaba Ary
Sardella foi atleta de tiro esportivo na capital federal, ganhando inúmeras
medalhas. O hobby se transformou em trabalho após sua aposentadoria na PCDF,
onde ele se tornou instrutor de tiro e presidente da Federação Brasiliense de Tiro
Esportivo, de 2001 a 2003. Anos depois, Sardella ainda trabalhou como
árbitro nas competições realizadas na capital federal.
Um jornal informativo do Sindicato dos
Delegados de Polícia (Sindepo) e da Associação de Delegados (Adepol), veiculado
em janeiro de 2019, exalta a história do mandante da morte de Eugênio e o
intitula como “O mestre do tiro esportivo”, contando a trajetória do policial
que saiu do Espírito Santo e se tornou delegado no DF ainda na década de 1970.
Na época do informativo, a matéria ainda
serviu para fazer marketing pessoal do ex-delegado que dava aulas como forma de
complementar a sua renda de aposentado. “Se você se interessou em conhecer mais
sobre o Tiro Esportivo, em Brasília é possível ter aulas com o próprio Ary
Sardella”, dizia a matéria.
Além da longa trajetória no tiro
esportivo, ao pesquisar o nome de Sardella, é possível encontrar vários atletas
de jiu-jitsu exaltando o ex-delegado como “mestre” da arte marcial. O
ex-policial se tornou faixa coral da modalidade, e recebeu das mãos de Hélio
Gracie, um dos maiores nomes da modalidade, a graduação máxima do esporte. Ary
usa uma página no Instagram com posts apenas sobre jiu-jitsu, mas não faz
postagens desde 2018.
Outros envolvidos na morte
Além do ex-coronel e do ex-delegado
citados acima, os outros participantes condenados foram o sargento Antônio
Nazareno Mortari Vieira e os cabos David Antônio do Couto e Aurelino Silvino de
Oliveira, do Pelotão de Investigação Criminal (PIC) do Exército.
A esposa do ex-sargento do Exército
Brasileiro Antônio Mortari recebe atualmente uma pensão militar de R$ 2.837,87.
Não foram encontradas informações sobre remunerações envolvendo os cabos David
Antônio e Aurelino Silvino.
Ainda foram apontados os agentes de
polícia Iracildo José de Oliveira e Divino José de Matos, conhecido como Divino
45 e acusado de ter efetuado os disparos.
Iracildo José faleceu em 1999, enquanto
Divino 45 foi aposentado alegando problemas mentais, o que fez seu julgamento
ser adiado em 10 anos. O assassino de Mário Eugênio recebe R$ 4,7 mil por mês
como aposentado da Polícia Civil.
Participantes do crime
- Divino
José de Matos (Divino 45): matou Mário Eugênio com uma espingarda calibre 12 e de
um revólver calibre 38/357, magnum, municiados com cartuchos e balas
especiais e foi condenado a 14 anos de prisão. Ele foi capturado em 2003 e
passou a cumprir pena na Penitenciária da Papuda. Em 2010, Divino recebeu
um parecer favorável ao indulto pleno, mas a decisão final ficou a cargo
do juiz da Vara de Execuções Penais.
- Antônio
Mortari: esteve
fortemente armado e fazendo escolta para que o crime acontecesse. O
militar chegou a ser condenado a 27 anos de prisão, mas estava em
liberdade desde 2019. Porém, em 2015, também foi condenado a 23 anos de
reclusão pelo STJ, por latrocínio e ocultação de cadáver cometidos em
Cocalzinho de Goiás, Entorno do DF, em 1984. A reportagem não conseguiu
confirmar se o homem ainda cumpre pena em regime fechado.
- David
Antônio do Couto: dirigia
o Volkswagen Sedan usado para fugir do local do crime e cumpriu pena
mínima, respondendo em liberdade anos depois. Não há informações sobre o
atual paradeiro do ex-militar.
- Iracildo
José de Oliveira: estava
no mesmo carro que Antônio Mortari e foi julgado e condenado pelo
assassinato de Eugênio a dois anos e meio de prisão. Pegou uma das maiores
penas e chegou a ser preso, mas morreu em 1999.
- Aurelino
Silvino de Oliveira: próximo
da cena do crime, Aurelino simulou uma diligência policial destinada a
prender um suspeito ao lado de outro policial. Não há informações sobre o
atual paradeiro dele.
- Moacir
de Assunção Loiola: o
policial também foi suspeito de participação no crime, morreu cerca de um
ano depois do crime, enquanto o caso ainda era julgado pelo TJDFT. A morte
foi tratada como suicídio na época, mas foi levantada a suspeita de que
fosse queima de arquivo.
· Mesmo com as condenações dos criminosos, entre aposentadorias e
pensões, os cofres públicos do Distrito Federal e da União gastam mais de R$ 70
mil somados no total. A morte, de certa forma esquecida, ainda está registrada
em acervos do MPDFT e do TJDFT. Durante o período da ditadura militar no
Brasil, 25 jornalistas foram dados como mortos e desaparecidos, além de
centenas de profissionais perseguidos e censurados.
·
O Metrópoles procurou
a Polícia Civil do DF, o Sindicato dos Delegados e o Exército Brasileiro, mas
não obteve retorno até a atualização mais recente desta matéria.
· A defesa dos condenados pelo crime não foram localizadas pela
reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.
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