O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA)
voltou a intervir no movimento de paralisações da APLB – Sindicato dos
Trabalhadores em Educação no município de São Sebastião do Passé,
após apontar um conjunto de irregularidades que, segundo o Judiciário,
configuram abuso do direito de greve e ameaça direta ao direito constitucional
dos alunos à educação. As decisões, emitidas nos dias 6 de outubro e 18
de novembro, mostram que o sindicato reiteradamente descumpriu exigências
legais para deflagrar paralisações e colocou em risco tanto o calendário
escolar quanto o recebimento de verbas federais vinculadas à educação.
Os documentos analisados, assinados pelo
desembargador Cássio José Barbosa Miranda, revelam um conflito crescente
entre o Município e a entidade sindical, marcado por convocações sucessivas de
paralisações sem demonstração formal de assembleia, além de ações consideradas
inadequadas dentro das escolas.
Greves convocadas sem atas, sem quórum e
sem plano de serviço mínimo
Um dos pontos mais contundentes
identificados pelo tribunal é o descumprimento dos requisitos previstos na Lei
7.783/1989, que regulamenta o direito de greve no Brasil — aplicada por
analogia aos servidores públicos desde decisão do STF no MI 708.
Os requisitos incluem:
- tentativa
prévia de negociação,
- deliberação
em assembleia com quórum estatutário,
- apresentação
da ata da assembleia,
- lista
de presença dos votantes,
- e
plano de manutenção dos serviços essenciais, especialmente no setor
educacional.
Nas duas decisões, o TJ-BA constatou que
nenhuma das convocações da APLB anexou esses documentos obrigatórios. Em vários
dos ofícios comunicando paralisações (038/2025, 043/2025, 047/2025 e 050/2025),
o sindicato apenas informava a deliberação, sem comprover o processo
democrático interno.
Para o tribunal, esse comportamento
constitui violação direta aos artigos 3º, 4º e 11 da Lei de Greve, tornando o
movimento “potencialmente abusivo”.
Primeira intervenção: Greve ameaçava
comprometer avaliação SABE e verbas do Fundeb
A decisão de 6 de outubro veio após o sindicato anunciar paralisação nos dias 7 e 9 de outubro, exatamente no período da aplicação do SABE 2025 — o Sistema de Avaliação Baiano de Educação.
O Município havia firmado cooperação técnica com o Estado e precisava garantir ao
menos 80% de participação dos alunos para continuar habilitado à complementação-VAAR,
uma das principais fontes de recursos vinculada ao novo Fundeb.
Segundo o tribunal, qualquer queda no
percentual de presença dos estudantes poderia provocar bloqueio de repasses
federais, com impacto direto nas políticas educacionais municipais. Diante
desse risco, o TJ-BA decidiu suspender previamente as paralisações e fixar
multa diária de R$ 10 mil.
Novas paralisações em novembro reacendem
o conflito
Mesmo após a primeira decisão, o
sindicato iniciou uma sequência de novas convocatórias:
- 28
e 29 de outubro –
paralisação;
- 03
a 07 de novembro –
operação “Passos Tartaruga”;
- 11
a 14 de novembro –
operação tartaruga estendida;
- 18
e 19 de novembro –
paralisação geral.
O Município acionou novamente o TJ-BA
alegando que o sindicato ignora as decisões judiciais e continua convocando
atos sem comprovação de assembleia, sem quórum, sem lista de presença e sem
plano de serviço mínimo.
Além disso, a prefeitura relatou que
representantes sindicais teriam interferido no ambiente escolar, distribuindo
panfletos a alunos e convocando estudantes para sair de sala de aula — relados
que foram considerados pelo tribunal como elementos que agravam o risco ao
processo pedagógico.
TJ-BA suspende novamente e enquadra o
sindicato com exigências duras
A nova decisão, proferida em 18 de
novembro, reconhece um “padrão de reiterado descumprimento dos requisitos
legais” e suspende todas as paralisações programadas para o mês.
O tribunal determina que nenhuma nova paralisação poderá ocorrer sem:
- ata
de assembleia,
- comprovação
de quórum,
- lista
de presença dos votantes,
- e
plano de continuidade dos serviços educacionais.
A decisão também manteve a multa já
fixada: R$ 10 mil por dia, limitada a R$ 200 mil.
Pauta salarial já havia sido rejeitada
pela Justiça em 2022
Outro ponto importante mencionado pelo
TJ-BA foi uma ação anterior, de 2022, em que a APLB tentava obrigar o Município
a adotar uma forma de escalonamento automático no plano de carreira e alegava
descumprimento do piso salarial.
O pedido foi julgado improcedente, e a Justiça reconheceu que São Sebastião do
Passé:
- cumpre
o piso nacional do magistério,
- e
não há previsão legal para o escalonamento pleiteado (Tema 911 do
STJ).
O relator afirmou que o movimento
grevista parece tentar reabrir uma discussão já resolvida judicialmente,
o que fere o princípio da segurança jurídica — outro elemento que reforça o
entendimento de abuso.
Direito de greve x direito à educação
As decisões do TJ-BA se apoiam no
entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal: embora o direito de greve
seja constitucional, ele deve ser exercido respeitando a proporcionalidade, a
razoabilidade e a continuidade dos serviços públicos essenciais.
A educação, segundo o STF, é “direito fundamental indisponível”, e sua
interrupção deve ser “fortemente controlada” pelo Judiciário.
Nesse caso, o tribunal entendeu que:
- a
ausência de requisitos formais do sindicato,
- a
fragilidade das justificativas apresentadas,
- o
histórico judicial recente,
- as
consequências financeiras ao Município,
- e
os prejuízos pedagógicos aos estudantes,
justificam a intervenção judicial.
Clima de tensão deve continuar
A APLB deverá agora apresentar sua
defesa no prazo legal, enquanto o Município deposita confiança de que as
medidas freiem novas paralisações irregulares.
A disputa, no entanto, deve continuar. A
entidade sindical já deu sinais, em outras cidades da Bahia, de que
intensificará pressões por reajustes e progressões, mesmo após exceções
judiciais. Em São Sebastião do Passé, as decisões do TJ-BA estabelecem um freio
jurídico importante e um recado claro: o direito de greve é legítimo, mas o
abuso não será tolerado.
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