Os principais frigoríficos
brasileiros suspenderam o fornecimento de carne ao Carrefour em resposta ao
anúncio do presidente mundial da empresa de que a rede francesa não vai oferecer carne produzida em países do Mercosul nos
seus pontos de venda da França.
O Carrefour, que também
comanda a rede Atacadão, nega que haja desabastecimento em suas lojas no
momento. "A comercialização do produto ocorre normalmente nas lojas.
Nenhuma loja está desabastecida", diz, em nota.
A Masterboi confirmou que
iniciou o corte de fornecimento ao grupo na sexta-feira (22). Segundo fontes
ouvidas pela Folha, a JBS (com a marca Friboi) também parou de vender carne
bovina para o Carrefour na última quinta-feira (21). Procurada, a empresa não
se manifestou.
As empresas e um grupo de 44
associações brasileiras ligadas ao agronegócio aguardam uma retratação do
Carrefour.
As companhias ligadas à carne
bovina são as que mais estão segurando as entregas às lojas do grupo Carrefour
no país, mas as de frango e suínos também estão revendo relacionamento e, em
alguns casos, atrasando e até suspendendo o fornecimento ao grupo, conforme
relatos de executivos.
A avaliação do agro brasileiro
é a de que a disputa não envolve somente vender ou não para o Carrefour
francês, e sim a imagem que a suspensão anunciada pelo presidente mundial da
empresa, Alexandre Bompard, pode passar para outros países europeus. O temor é
de que o veto externo se propague e gere perdas aos pecuaristas e empresas do
Brasil.
Por isso, neste sábado (23)
representantes de 44 associações da cadeia produtiva brasileira assinaram uma
carta aberta ao executivo francês sobre a qualidade das carnes produzidas no
Mercosul.
Eles afirmam no documento que
a decisão anunciada na última semana por Bompard demonstra uma "abordagem
protecionista que contradiz o papel de uma empresa global com operações em
mercados diversos e interdependentes".
A carta ainda enumera dados
envolvendo o avanço da pecuária brasileira, que nos últimos 30 anos aumentou a
produtividade em 172%, enquanto reduziu a área de pastagem em 16%.
"Esses avanços foram possíveis graças a um compromisso contínuo com a
inovação, eficiência produtiva e práticas sustentáveis. Além disso, nossa
legislação ambiental é uma das mais rigorosas do mundo, assegurando o
equilíbrio entre produção agropecuária e preservação dos recursos
naturais", diz a carta.
A manifestação envolveu não só
entidades ligadas às empresas exportadoras de carne --como Abiec (Associação
Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes) e ABPA (Associação Brasileira
de Proteína Animal)--, mas também fabricantes de máquinas agrícolas (Abimaq),
de óleos vegetais (Abiove) e de laticínios (Viva Lácteos), produtores de soja
(Aprosoja), exportadores de sucos (CitrusBR), e a indústria sucroenergética
(Unica), entre outras.
"Se uma carne brasileira
não serve para abastecer o Carrefour na França, é difícil entender como ela
poderia ser considerada adequada para abastecer qualquer outro mercado. Afinal,
se o Brasil, com suas práticas sustentáveis, sua legislação ambiental rigorosa
e sua vasta área de preservação, não atenderia aos critérios do Carrefour para
o mercado francês, então, provavelmente, não atenderia aos critérios de nenhum
outro país", conclui a carta aberta.
A manifestação mostra uma onda
crescente contra o Carrefour, já que dias antes, seis entidades haviam assinado
uma nota de repúdio ao grupo francês --CNA (Confederação da Agricultura e
Pecuária do Brasil), Abiec, ABPA, Abag (Associação Brasileira do Agronegócio),
SRB (Sociedade Rural Brasileira) e Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo).
O setor de hotéis e
restaurantes de São Paulo também se uniu a entidades ligadas ao agronegócio,
pedindo boicote ao Carrefour. Em seu comunicado de repúdio, o o
diretor-executivo da Fhoresp (Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do
Estado de São Paulo), Edson Pinto, afirmou que o Carrefour deveria demonstrar
"mais respeito aos produtos que enriquecem seus acionistas".
ENTENDA A CRISE
O Carrefour anunciou na última
quarta-feira (20) que suspenderá a compra de carnes provenientes do Mercosul,
incluindo do Brasil, para os seus pontos de venda da França.
A decisão, comunicada pelo CEO
global Alexandre Bompard, foi uma resposta a pressões de sindicatos de
agricultores franceses, que buscam proteger o setor agrícola local contra a
concorrência internacional.
O Carrefour argumenta ainda
que a medida está alinhada com preocupações ambientais e normas mais rigorosas
exigidas na Europa.
No seu comunicado, o
presidente mundial do Carrefour afirma "entender o desespero e a raiva dos
agricultores diante do projeto de acordo de livre-comércio" e do
"risco de inundar o mercado francês com uma produção de carne que não
respeita suas exigências e normas."
"Esperamos inspirar
outros atores do setor agroalimentar e dar impulso a um movimento mais amplo de
solidariedade, que vá além do setor do varejo, que já lidera a luta a favor da
origem francesa da carne que comercializa", afirmou.
Logo depois, o Grupo Les
Mousquetaires, proprietário da rede de supermercados francesa Intermarché,
também anunciou que irá boicotar as carnes bovinas, suínas e aves produzidas em
países da América do Sul em geral.
A postura do Carrefour gerou
uma reação intensa no Brasil. A medida também foi criticada por líderes
políticos brasileiros, que pediram um boicote às lojas do Carrefour no país.
A França lidera a resistência à assinatura do pacto, que criaria a maior zona de livre-comércio do mundo e começou a ser desenhado em 1999. A Comissão Europeia, com o apoio de vários países do bloco, como Alemanha e Espanha, é favorável ao fechamento do acordo antes do fim deste ano.
(ANA PAULA BRANCO E MARCELO TOLEDO/FOLHAPRESS)